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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Jovens que perderam parentes ou amigos precocemente, em acidentes de trânsito ou crimes, falam sobre como isso afeta suas vidas

image RIO - Luiz acorda sem ânimo para ir à faculdade desde que viu seu amigo, o estudante Rafael Mascarenhas, morrer atropelado aos 18 anos. Adriano chegou a ficar oito meses longe dos estudos, seguindo as investigações do desaparecimento da irmã, Patrícia Amieiro. E Fernanda, volta e meia, deixa de ir a boates para ficar com os pais, desde que seu irmão foi morto num acidente de trânsito. Todos vivem etapas distintas de um processo doloroso: seguir em frente depois de perder alguém cuja vida foi interrompida brutal e precocemente.

Pouco mais de um mês após a morte do irmão Rafael Mascarenhas - filho da atriz Cissa Guimarães atropelado quando andava de skate numa galeria interditada do Túnel Acústico -, os sentimentos são confusos para o ator João Velho. As lágrimas surgem sem aviso. Ele sente raiva de quem critica seu irmão por andar de skate no túnel ("Ele não estava errado. As pessoas fazem isso há dez anos e os funcionários da CET-Rio nunca disseram nada"). E se revolta por saber que muitas pessoas morreram em situações parecidas, sem repercussão.

- Não tenho raiva do cara que atropelou meu irmão, nem sei nada sobre ele. Mas me parece o tipo que a gente mais despreza. Algumas pessoas dizem que o Rafael era um playboyzinhom ( e só por isso o caso teria ganhado atenção da mídia). Mas, se fosse um cara do Minhocão, o certo seria ter a mesma repercussão. Quantos mendigos já foram atropelados e ninguém soube? A gente quer que a morte desse garoto não seja em vão - desabafa.

Para aliviar o sofrimento, João trabalha. Voltou ao teatro dias após o acidente e, nas horas livres, se reúne com os amigos do irmão, como Mariah Schwartz, no quarto de Rafael. Eles tocam violão e conversam, relembrando histórias.

- É confortante. A gente se consola. Ficamos todos muito mais próximos - conta Luiz Quinderé, de 20 anos, amigo de infância de estudante.

Um dos amigos que estava com o Rafael quando ele morreu, Luiz acompanhou o estudante na ambulância e ainda tenta esquecer as cenas. A vida vai voltando ao normal. Quando acorda bem, vai à faculdade; outros dias, prefere ficar em casa.

- No geral, a vida volta ao normal entre seis meses a um ano. Mas, com jovens de 15 a 25 anos, é preciso atenção, já que os primeiros sintomas de doenças psiquiátricas graves, como TOC e esquizofrenia, geralmente surgem nessa época. E o luto pode desencadear esses processos em quem já tem tendências para desenvolver as doenças - explica o psiquiatra Eduardo Costa Barros, coordenador em psiquiatria da Escola Médica de pós-graduação da PUC.

Irmão da engenheira Patrícia Amieiro, desaparecida há dois anos, na Barra da Tijuca, quando voltava de uma festa, Adriano Amieiro teve dificuldade para recomeçar. Foram oito meses longe da faculdade de Marketing, apenas acompanhando as investigações do caso. Hoje, ainda luta por justiça. Ele quer ver na cadeia os policiais suspeitos de atirar na irmã e sumir com seu corpo (em maio, eles foram inocentados no inquérito da PM aberto para apurar seu envolvimento).

- Até hoje, não consigo dormir direito, e meu pai teve um enfarte. Mas não vamos desistir. Queremos a verdade sobre minha irmã. Tem que haver justiça. Ou vamos dar um alvará para que as pessoas saiam matando e escondendo os corpos por aí? - indigna-se ele.

Em memória de Patrícia - e de outras vidas perdidas para a violência-, Adriano quer criar um dia em homenagem às vítimas de crimes, para que os familiares possam se reunir anualmente e exigir justiça para casos ainda não resolvidos, como o da sua irmã.

A revolta, ainda nítida nos olhos de Adriano, já se apagou nos de Fernanda Diniz. A advogada de 24 anos tinha 17 quando o irmão Fabrício morreu, com duas amigas, num acidente na Avenida das Américas, causado pela imprudência de um conhecido ao volante. Hoje, engajada na ONG Trânsito Amigo, criada pelo pai de Fernanda, o engenheiro Fernando Diniz, a família ajuda outras vítimas de trânsito, com quem se reúnem periodicamente.

- Meu pai praticamente parou de viver. Até o dia em que minha mãe decidiu que era hora de seguirmos a vida. Porque, se tivéssemos essa revolta até hoje, ficaríamos doentes. É uma porrada muito grande e de repente. Ninguém está preparado, e eu ainda não superei. É mais do que só saudades - tenta explicar, sem segurar o choro.

Por consequência da morte do irmão mais velho, Fernanda amadureceu muito e passou até a se sentir responsável pelos seus pais.

- De repente, os papos das amigas da minha idade pareciam sem sentido. Até hoje, é assim. Às vezes, elas querem ir a uma boate e prefiro ficar em casa com meus pais. Sinto uma felicidade enorme de estar com eles - conta.

Amiga de Fernanda desde que começou a frequentar o grupo criado pelo pai dela, Nathália Gatto também viveu uma mudança forte no cotidiano da família.

- A gente se desdobra em mil para tentar substituir o irmão - observa.
A gente se desdobra em mil para tentar substituir o irmão (Nathália Gatto)

Como Fernanda, Nathália perdeu o irmão num acidente de trânsito, mas na Rio-Bahia (trecho da rodovia BR-116). Ele voltava de um carnaval em Salvador num carro ocupado por outros cinco jovens (três deles sobreviveram) quando o veículo foi atingido por uma carreta num cruzamento.

- O motorista da carreta não teve culpa. Mesmo assim, a revolta vem imediatamente. Aquela é uma estrada da morte, sem acostamento, esburacada, um horror. O que me deu forças foi a faculdade. Levei muito a sério, até porque o sonho do meu irmão era se formar. Precisava me ocupar ou ia pirar - relata.

Fonte: O Globo Megazine

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