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domingo, 2 de junho de 2013

Mais um contrato feito pelo Detran surge com fortes indícios de desvio de dinheiro

Mais um contrato feito pelo Detran surge com fortes indícios de desvio de dinheiro e enriquecimento ilícito de empresas privadas. Como se não bastasse a péssima malha viária, o trânsito caótico nas vias pesadas e os altos custos incidentes quando da compra de um veículo, o Detran do Pará, aproveitando uma brecha na legislação, onerou ainda mais o bolso do paraense. O órgão contratou uma empresa de Brasília, a peso de ouro, para prestar serviço de gerenciamento de contratos que poderia perfeitamente ser feito pelo próprio departamento.

De dezembro de 2012 a março desse ano, a Arqdigital Ltda., empresa contratada, arrecadou mais R$ 10 milhões, sendo que apenas 15% do bolo foi parar nos cofres do Detran. A previsão é que a contratada arrecade nos próximos 15 anos algo em torno de R$ 180 milhões. Trata-se de mais um contrato nebuloso que merece análise minuciosa pelo Ministério Público e pela CPI que apura a corrupção no Detran, comandado há quase três anos pelo tucano Mário Couto.

GRAVAME

No momento da compra de um veículo financiado sob qualquer modalidade (CDC, leasing, etc.), é feito um registro denominado gravame, indicando que a propriedade transitória do bem é do banco ou da financeira que fez o financiamento até que o débito seja quitado. O processo sempre ocorreu dessa forma, tudo sendo feito pelo Detran.

Para fazer um novo gravame, os credores (bancos, financeiras) são obrigados a pagar uma taxa para a realização desse serviço pelo Detran. Essas empresas de crédito repassam esse custo aos clientes sob a denominação de taxas administrativas de financiamento ou coisa parecida, sem que a pessoa se dê conta do que está sendo embutido no contrato de financiamento. Quando muito, aparece na simulação do crédito do financiamento. Sabe-se que alguns compradores mais atentos estão contestando a legalidade dessa taxa na Justiça, considerando-a abusiva.

A Resolução 320 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) de 05/06/2009 determina que os órgãos de trânsito façam o gerenciamento desses contratos, “podendo sua execução ser contratada com terceiros sob a forma da Lei” (parágrafo 2° do artigo 3°). Aproveitando essa deixa da legislação, alguma mente privilegiada do departamento decidiu contratar, através de licitação, uma empresa terceirizada para fazer o novo registro de gravame baseado na resolução.

Várias empresas participaram da concorrência pública, sagrando-se vencedora a Arqdigital. Os procuradores concursados do Detran e que realmente têm compromisso com a coisa pública recorreram à Justiça para anular a licitação, questionando a forma como o processo licitatório foi conduzido e escolhida a empresa vencedora. Da mesma forma agiram as empresas perdedoras da licitação. Não obtiveram sucesso.

Técnicos do Detran consultados pelo DIÁRIO asseguram que, uma vez instituída a taxa, ainda que indevida, deveria ser arrecadada pelo Detran, bastando para isso que o Departamento Técnico de Informática (DTI) do órgão criasse um programa e executasse o serviço, como ocorre em outros Estados. Nos locais onde a cobrança existe, mesmo sub-judice, os Detrans desenvolveram sistema próprio sem terceirizar o serviço. Os milhões de reais pagos à Arqdigital poderiam ser recebidos diretamente pelo departamento, sem a participação de terceiros.

O contrato com a Arqdigital (011/2012), ao qual o DIÁRIO teve acesso, foi assinado em 8 de maio de 2012 por Álvaro Ayres de Oliveira Júnior, duas semanas antes de sair do cargo, hoje ocupado por Walter Pena.Ambos foram indicados por Mário Couto. Informações dão conta que o Projeto Básico, que justificou o contrato, deveria ser feito pelo Detran e até contém a rubrica de Álvaro Ayres, mas na verdade teria sido feito sob medida por advogados da Arqdigital diretamente de Brasília. Fontes do Detran garantem ainda que a mesma Arqdigital também atuaria em Detrans de vários Estados.

Contrato de 15 anos é três vezes maior que o permitido

O contrato é recheado de pontos, no mínimo, questionáveis como, por exemplo, o prazo do serviço de 15 anos outorgado pelo Detran, quando a Lei n° 8.666, que rege as licitações, prevê que o prazo máximo é de cinco anos. Os valores das taxas também são estipulados sem qualquer parâmetro. Dependendo do enquadramento dos veículos, variam de R$ 195 (táxi, ciclomotor, motoneta e motocicleta) a R$ 325 (veículos pesados como ônibus, micro-ônibus, caminhões, tratores reboques, etc.). Não existe nenhum tipo de justificativa ou estudos para os valores tarifados e para o tempo estipulado no contrato.

De tudo o que a Arqdigital arrecada, apenas 15% é repassado ao Detran. O DIÁRIO também teve acesso a um demonstrativo dos recursos recebidos pela empresa de dezembro de 2012 a março desse ano. No período, a empresa repassou ao Detran o valor de R$ 1.548.152, representando os 15% destinadas ao órgão contratualmente. Por sua vez a Arqdigital ficou com R$ 8.772.862,20 correspondentes aos 85% a que tem direito. Somando os valores, chega-se à absurda cifra de R$ 10.321.014.33.

A previsão é que a Arqdigital arrecade, apenas em 2013, algo em torno de R$ 11,7 milhões, ficando com R$ 9,95 milhões do total arrecadado. Em 15 anos, pelo mesmo raciocínio, a empresa arrecadará perto de R$ 180 milhões, considerados os aditivos contratuais que porventura possam existir e que aumentarão os valores. No contrato também não é explicado de que forma se chegou aos percentuais para cada uma das partes. Outra distorção: o contrato permite, ainda, que a Arqdigital utilize o espaço físico do Detran em vários municípios para realizar seu trabalho sem pagar um centavo a mais por isso, a exemplo do contrato firmado pelo órgão com a Climept, já denunciado pelo DIÁRIO.

Muitas perguntas permanecem sem resposta: que motivos levaram o Detran a outorgar a terceiros uma obrigação que seria do órgão, que tem toda a capacidade de realizar o serviço? Quais os parâmetros que levaram à criação das taxas para registro dos contratos? Por que o Detran fica apenas com 15% do total arrecadado pela Arqdigital? Qual a finalidade de o contrato ter a validade de 15 anos? Qual a contrapartida do Detran em ceder seu espaço físico nas unidades do órgão para a empresa terceirizada de graça? Quem audita o contrato? Caberá ao Ministério Público e à CPI da Corrupção do Detran esclarecer essas questões.

CPI ainda segue na estaca zero na AL

Passados dez dias da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para apurar fraudes no Departamento Estadual de Trânsito (Detran), os trabalhos estão na estaca zero e a polêmica em torno do comando das investigação permanece.

Proposta pelo deputado Parsifal Pontes (PMDB), a CPI foi instalada no dia 22. O primeiro encontro de trabalho deveria ocorrer na quarta-feira, 29, mas faltou quórum e a reunião acabou adiada. Um novo encontro está marcado para esta semana, mas o clima dentro e fora da Assembleia Legislativa é de desânimo. Poucos apostam que a CPI levará adiante a investigação que tem como alvo as relações delicadas entre o caixa do Detran - que ocupa o segundo lugar entre os órgãos arrecadadores no Estado - e o senador tucano Mário Couto, espécie de eminência parda e responsável pela indicação dos ocupantes de todos os principais cargos do departamento no atual governo.

Uma das denúncias a serem investigadas pela CPI é o uso de dinheiro do Detran para custear despesas e investimentos da Associação Atlética Santa Cruz que, não por coincidência, tem Couto como patrono. Reportagem do DIÁRIO revelou que pessoas ligadas aos jogadores estavam na folha de pagamento do Detran, um indício de que eram usadas para repassar o dinheiro do órgão público para a associação privada. Foram identificados pelo menos 18 casos de parentes próximos de jogadores do Santa Cruz na folha do Detran.

Outra irregularidade que poderá ser alvo da investigação é o atual contrato entre o Detran e a SCE Médicos Ltda. (Climept) para a realização de exames médicos e psicotécnicos em condutores. O contrato teria prazo máximo de cinco anos, mas já está dez meses além desse prazo. Além disso, a Climept mantém o monopólio dos serviços, quando o correto seria credenciar várias entidades.

Como era de se esperar, a polêmica em torno do relator da CPI acabou sendo um obstáculo para os trabalhos. Escolhido com aval do governador Simão Jatene com a missão de blindar Mário Couto, o deputado estadual Fernando Coimbra (PSD) tem tido sua posição questionada. Coimbra é alvo de uma investigação por fraudes no seguro defeso.

Em operação realizada em 2010, Ministério Público Federal, Controladoria Geral da União e Polícia Rodoviária Federal executam mandados de busca e apreensão em nove endereços de Belém, entre eles o escritório político de Coimbra, que havia respondido pela Superintendência da Delegacia Regional do Trabalho, uma das responsáveis pela concessão do benefício. O hoje relator da CPI foi acusado de atuar para que pessoas que sequer eram pescadoras de fato tivessem acesso aos recursos no período em que a pesca precisa ser suspensa. A suspeita é de que o seguro era concedido em troca de votos. Envolvido no mesmo processo, Paulo Sérgio Souza, o Chico da Pesca, teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral.

Coimbra não foi julgado e, na semana passada, usou a tribuna da Assembleia Legislativa para se defender. Disse considerar normal ser alvo de investigação e ressaltou que não há condenação. No auge do escândalo gerado com a operação, o maior acusador do hoje deputado foi o senador Mário Couto, exatamente o alvo da CPI que tem Coimbra como relator. Na época, Couto chegou a se referir ao hoje relator como “assaltante dos cofres públicos”.

O envolvimento do deputado no caso e as relações com Mário Couto são apontados como motivo para que ele renuncie à relatoria da comissão. Um dos defensores da ideia é o petista Carlos Bordalo. Na semana passada, Bordalo anunciou que, na próxima reunião da CPI, vai pedir a renúncia formal de Coimbra da relatoria. “É uma situação inadequada porque o relator tem função de magistrado e esses fatos o deixam em uma situação fragilizada”, argumentou.

Além da situação de Coimbra, ainda há dúvidas sobre a presença do PMDB na CPI. Parsifal Pontes (autor do requerimento) está fora da comissão e ainda analisa se entrará na Justiça para reivindicar a vaga que teria direito como membro nato da comissão que idealizou. O partido não descarta também abandonar a comissão onde é representado pelo deputado Francisco Melo Chicão. Mas uma decisão ainda vai depender do desenrolar dos trabalhos.

“Há essa possibilidade [de o partido abandonar a Comissão], mas a posição atual é de que continuamos. Não temos claro se a nossa permanência não vai coonestar o teatro que está feito”, diz Pontes. Apesar de todos os indícios de pizza no forno, o presidente da CPI, deputado Ítalo Mácola (PSDB), garante que vai haver apuração. Ele afirmou que, na próxima quarta-feira, caso haja quórum, vai colocar uma série de requerimentos em votação. Entre esses requerimentos estão pedidos de informações sobre servidores temporários no Detran e de gastos com esses funcionários. “Devemos fazer primeiro a análise documental”, diz, garantindo que, na segunda etapa, os citados na reportagem do DIÁRIO poderão ser chamados para depor.

Diário do Pará - Pará | Empresa de Brasília ganha milhões do Detran

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