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terça-feira, 17 de agosto de 2010

A empresa de transporte coletivo, concessionária de serviço público, responde pelo dano que causar ao passageiro independentemente de culpa, por força do disposto no § 6º do art. 37 da Constituição Federal.

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ÔNIBUS - QUEDA DE USUÁRIO - DANO IMATERIAL - CULPA OBJETIVA - EQUIPAMENTO QUE PRIVA O VEÍCULO DE MOVER-SE ANTES DO FECHAMENTO DAS PORTAS - IRRELEVÂNCIA - TRANSPORTADOR SUJEITO À REPARAÇÃO.


A empresa de transporte coletivo, concessionária de serviço público, responde pelo dano que causar ao passageiro independentemente de culpa, por força do disposto no § 6º do art. 37 da Constituição Federal.



Comprovado que o passageiro sofreu dano à sua incolumidade física, resultante de queda em razão da movimentação do ônibus antes que completasse o desembarque, tem-se por configurados a lesão ou dano e o nexo da causalidade com a culpa do transportador.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 428.511-4 da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): VIAÇÃO CRUZEIRO LTDA. e Apelado (a) (os) (as): MARIA BEATRIZ DE SOUZA,


ACORDA, em Turma, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais DAR PARCIAL PROVIMENTO.


Presidiu o julgamento o Juiz JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES (Revisor) e dele participaram os Juízes JOSÉ FLÁVIO ALMEIDA (Relator) e GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES (Vogal).


O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora.


Assistiu ao julgamento, pela apelante, o Dr. Alano Otaviano Dantas Meira.

Belo Horizonte, 01 de abril de 2004.


JUIZ JOSÉ FLÁVIO ALMEIDA

Relator


V O T O



O SR. JUIZ JOSÉ FLÁVIO ALMEIDA:


Conheço do recurso, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.


VIAÇÃO CRUZEIRO LTDA. interpôs apelação em face da r. sentença de f. 47/49 que julgou procedente a ação indenizatória ajuizada por MARIA BEATRIZ DE SOUZA, condenando-a no pagamento de R$10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por dano moral.


Narra a apelada que no dia 19/08/02 embarcou no ônibus Suzano/Cruzeiro, linha 5101, por volta das 12:00, com destino ao bairro funcionários e que ao chegar na Rua Cláudio Manoel, em torno de 12:20/12:30, o motorista arrancou o ônibus antes que a mesma tivesse descido provocando a sua queda de costas, batendo a cabeça no degrau do ônibus, porém o motorista continuou a movimentar o veículo, o que provocou o arremesso da apelada ao chão, vindo a bater a cabeça no asfalto e acarretando traumatismo com ferida corto-contusa.


A apelante recorreu ponderando que não há comprovação de sua culpa no evento, pois a apelada sequer identificou a placa ou o condutor do veículo de transporte.


Não poderia, no seu entender, o ônibus iniciar movimento de arrancada, porquanto dispunha de dispositivo que o impediria a movimentação com as portas abertas.


Incontroverso o dano sofrido pela apelada, conforme se vê na declaração de f. 7 e depoimento de f. 43 da testemunha Sara Álvares Marques, verbis:

"que assistiu parcialmente o acidente pois foi quem prestou socorro para a autora pois o ônibus já estava se afastando do local;..."


E a testemunha confirmou que o ônibus que transportava a apelada pertencia à linha 5101, dizendo:


"que o ônibus tem a cor azul; que na rua ali só passa o ônibus 5101 e 5131 mas o ônibus em que estava a autora era o 5101; que a autora caiu o ônibus foi embora sendo que o pessoal não preocupou em chamar a atenção do motorista; que levou a autora para uma clínica sito na rua Paraíba;..."


Ademais, o itinerário declinado pela apelada na inicial como sendo o percorrido pelos veículos da linha 5101 não foi contestado pelo apelante, presumindo-se verdadeiro, de acordo com o art. 302 do Código de Processo Civil.


A apelante não logrou desconstituir o direito da apelada pois não demonstrou fato impeditivo, modificativo ou extintivo de seu direito, conforme lhe competia, de acordo com o previsto no art. 333, II, do Código de Processo Civil.


É certo que grande número de coletivos possui equipamento a impedir a sua aceleração e arranque sem o fechamento das portas.


Contudo, não se pode olvidar que a passageira bateu as costas na escada do veículo, ou seja, na parte externa do ônibus, o que poderia ter ocorrido quando as portas estivessem se fechando.


De qualquer forma, restou comprovado o dano pois a agravada teve sua incolumidade atingida por ato de condutor do ônibus da linha 5101.


É lição de Carlos Alberto Bittar (in Reparação Civil por Danos Morais, RT, 1993, SP, p. 203):


"Uma vez constatada a conduta lesiva, ou definida objetivamente a repercussão negativa na esfera do lesado, surge a obrigação de reparar o dano para o agente".


O transportador de pessoas tem a obrigação de levar, são e salvo, o passageiro até o local de seu destino, obrigação essa que faz parte do contrato de transporte de pessoas.


"Com efeito, não se pactua sobre a incolumidade, tanto que não seria permitida uma cláusula que excluísse a obrigação de assegurá-la. A cláusula de incolumidade é inerente ao contato de transporte de pessoas. Quem utiliza um meio de transporte regular celebra com o transportador, de levá-lo são e salvo ao lugar do destino" (Da responsabilidade civil", forense, Rio, 6ª ed., 1º vol., p. 218).


E Rui Stoco acrescenta que:


"sendo o transporte um contrato de adesão, a vítima não está obrigada a provar a culpa do transportador em caso de acidente.


Basta comprovar o fato do transporte e o dano verificado para que se caracterize a responsabilidade deste pelo inadimplemento contratual."


A culpa da apelante é de modalidade objetiva seja em razão do contrato de transportes, seja em razão de equiparação da apelante ao Estado em conseqüência do risco administrativo, como concessionário de serviços públicos (arts. 37, § 6º, da Constituição da República e 14 da Lei nº 8.078, de 1990).


Veja-se da jurisprudência:


"ACIDENTE DE TRÂNSITO - ATROPELAMENTO DE MENOR POR ÔNIBUS COLETIVO - CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA NÃO DEMONSTRADA - DEFORMIDADE FÍSICA PERMANENTE - OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR.


A responsabilidade objetiva da empresa concessionária de serviço público de transporte coletivo não fica afastada pelo fato de a vítima já haver descido do ônibus quando do acidente, porquanto, em casos tais, o risco advém não do liame contratual existente entre as partes, mas, sim, do próprio exercício da função pública. - Somente em caso de culpa exclusiva da vítima é que se tem como afastada a responsabilidade objetiva da concessionária de serviço público, cabendo a esta última, exclusivamente, o ônus de comprovar tal situação. - Faz jus ao recebimento de pensão mensal e danos morais a vítima menor que, em função de atropelamento por ônibus coletivo, viu-se acometida de deformidade física permanente no membro inferior esquerdo." (TAMG - AP . 0297702-8 - Belo Horizonte - 1ª C. Cív. - Rel. Juiz Silas Vieira - J. 28.3.2000).


Lúcio Catarino, gerente de tráfego e funcionário da apelante há vinte e um anos, disse à f. 45 que "pode acontecer de um passageiro se ferir e machucar e o motorista não ver o que aconteceu."


Inconteste a responsabilidade da apelante, pelo que deve reparar os danos sofridos pela apelada, através do pagamento de indenização.


Sobre o tema, decidiu a Terceira Câmara Cível deste Tribunal de Alçada no julgamento da Apelação nº 0327300-5, Relator: Juiz Caetano Levi Lopes, Data Julg.: 07/02/2001, voto unânime:


"APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. QUEDA AO DESCER DE ÔNIBUS PREMATURAMENTE MOVIMENTADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. TEORIA OBJETIVA. NEXO CAUSAL. PROVA DISPENSADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO.


A responsabilidade civil da pessoa jurídica operadora de ônibus coletivo em transporte a título oneroso rege-se pela teoria objetiva (artigos 37, § 6º, da Constituição da República e 14 da Lei nº 8.078, de 1990).


Neste caso, o consumidor que é transportado deve provar somente a conduta antijurídica (eventus damni) e o resultado lesivo efetivo (dano). A parte contrária é quem deve provar a existência de excludente de ilicitude.


O duplo grau de jurisdição é direito da parte vencida. A interposição de recurso, em princípio, não constitui litigância de má-fé.


Apelação conhecida e não provida."


Rogata venia, na espécie, o valor da indenização fixado na sentença deve ser reduzido. As demandas indenizatórias não podem sobrepujar o razoável, devendo ser fixadas comedidamente, de modo a impedir o enriquecimento sem causa.


A indenização pelo dano moral deve representar uma espécie de conforto para o ofendido e um desencorajamento do ofensor para igual e nova ofensa, e


"mais que nunca há de se estar presente a preocupação de conter a reparação dentro do razoável, para que jamais se converta em fonte de enriquecimento" (CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, Forense, 1990, vol. II, p. 243).


Entendo razoável o quantum de R$4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais).


"A indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa" (RT 706/67).


A correção monetária deve incidir a partir da data da sentença, momento em que restou reconhecida a responsabilidade civil da apelante e fixado o quantum devido a título de indenização.


O art. 2.035 do Código Civil de 2002 dispõe:


"A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução." (destaquei).


E o art. 2.045 do novel estatuto civil prevê:


"Revogam-se a Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei 556, de 25 de junho de 1850."


Assim, os juros de mora são devidos na forma do art. 406 do Código Civil de 2002, verbis:


"Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional."


E conforme citado por Maria Helena Diniz, in Código Civil Anotado, 9ª edição, Ed. Saraiva, 2003, p. 311,


"a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês. (...)".


Portanto, devem ser mantidos os juros conforme fixado na sentença hostilizada.


Os honorários advocatícios devem ser mantidos no percentual de 20% (vinte por cento) porquanto o § 1º do art. 11, da Lei 1.060/50 que previa o limite de 15% (quinze por cento) não está mais em vigor depois do Estatuto da OAB.


É o que ressalta Theotonio Negrão, in Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 34ª edição, Ed. Saraiva, p. 1148:


"O disposto no § 1º do art. 11 da Lei 1.060/50 não está mais em vigor depois da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), cujo art. 22, § 1º, regulou a matéria e atribuiu a fixação dos honorários ao juiz da causa, de acordo com tabela previamente organizada" (STJ-4ª turma, RESp. 140.560-SP, rel. Min. Ruy Rosado, j. 7.5.98, não conheceram, v.u., DJU 29.6.98, p. 194).


Além do mais,


"A regra do art. 11, §1º, da Lei n. 1.060/50, deixou de subsistir a partir do momento em que se instituiu na lei processual civil o sistema da sucumbência. Precedentes das 3ª e 4ª Turmas do Tribunal" (STJ-4ª Turma, Resp. 70.333 - RS, rel. Min. Barros Monteiro, j. 23.4.96, não conhecerem, v.u., DJU 3.6.96).


DIANTE DO EXPOSTO, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, EM PARTE, para reduzir o valor da indenização para R$4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais), com correção monetária e juros de mora de 1% ao mês contados a partir da publicação da sentença.


Custas recursais pelas partes, meio a meio, ficando suspensa a exigibilidade em relação à apelada mediante a condição prevista no art. 12 da lei 1.060/50.

Fonte: TJMG
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