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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Estufa o peito e diga "Eu conquistei com meritocracia". A "corrida dos ratos", a autoestima e as relações humanas

INTRODUÇÃO

O artigo discursa sobre a filosofia do libertarianismo. Propõe ao leitor confrontar suas próprias concepções de vida, ideologias morais e religiosas. Não se pode, aqui, invocar o utilitarismo — maximização da felicidade, ou seja, a maioria manda, determina o tipo de vida, de negociações entre particulares, o Estado controlando a vida dos governados —, a filosofia de Aristóteles — a "vida boa" com base nos valores morais, determinado por poucos, a condução dos cidadãos pelo Estado para se atingir o patriotismo, o respeito cívico, mesmo que pessoas sejam escravizadas, outras sem direitos de opinião, voto.

Há diversidade das Teorias Libertárias, sintetizarei alguns fundamentos filosóficos:

· Todos são livres para fazerem o que bem quiserem com suas vidas e corpos, não se pode interferir no livre arbítrio de cada pessoa;

· Os contratos devem se basear no livre consentimento [credor e devedor];

· O Estado deve ser "mínimo", isto é, não pode intervir nas relações humanas, principalmente aplicando justiça [decisões jurisprudenciais] baseando-se em doutrinas, filosofias morais e/ou religiosas;

· O Estado não pode intervir no mercado [Livre Mercado]. As negociações são livres entre os autores [credor e devedor]. O que foi acordado entre ambos [pacta sunt servanda] é lei. É possível mudar o contrato inicial, se ambos estiverem de acordo, contudo, caso o credor não aceite os novos termos do devedor, este tem o dever de honrar o acordo inicial;

· Cada ser humano é livre, e sendo livre, não é obrigado a ajudar ninguém, mesmo que a outra pessoa esteja agonizando de fome, idoso esteja sendo espancado por jovem, mulher esteja sendo violentada por homem. Ajuda se quiser, pelo simples achar que deve ajudar. O Estado, por sua vez, não tem o direito [coação] de intervir e obrigar o cidadão socorrer, ajudar quem necessita de socorro [estado de necessidade];

· Cada qual é responsável pelo seu destino. Ganha quem se desempenhar mais. Quem não consegue atingir as exigências do mercado [Livre Mercado], está fadado ao fracasso. Se o empreendedor perder todos os seus bens e patrimônios, para pagar aos credores, o empreendedor e sua família terão que se virar na vida, mesmo que a sarjeta seja a única moradia;

· Sendo o Estado Mínimo, sendo direito natural dos cidadãos fazerem o que bem entenderem, como correto e justo, o Estado não pode intervir no livre arbítrio sexual dos cidadãos, muito menos regular formas de casamento, se somente entre heterossexuais ou somente LGBTs;

· O Livre Mercado garante ao empreendedor gerir e atuar como bem entende. O Estado não pode intervir quanto ao controle de juros, forma de cobranças [credor e devedor], processos de industrialização, exploração e extração da fauna e da flora, controle alfandegário. Truste e Cartel são consequências dos "mais capacitados sobre os menos capacitados";

· O Livre Mercado Permite que o empreendedor, pelo direito natural, escolha quem poderá frequentar, comprar, utilizar. Porque o empreendedor é livre para escolher, pode vender seus produtos somente para certas pessoas [etnia, sexualidade, classe social etc.]. Da mesma maneira, poderá escolher quais os tipos de pessoas que estudarão em sua instituição de ensino, valendo qualquer critério de escolha — nessa escolha, pelo Livre Mercado, fatalmente o empreendedor escolherá pessoas que possam pagar a mensalidade exigida e atrativa para o dono da instituição;

· A escravidão jamais é possível, ou seja, o uso da força para controlar, cercear o direito natural de outra pessoa morar, viver, trabalhar, onde, como e quando quiser. Porém se a outra pessoa der permissão, que pode a qualquer momento ser revogada, para ser explorada, violentada, subtraída, ou até ser masoquista, ninguém, muito menos o Estado, pode intervir no livre arbítrio [direito natural]

MERITOCRACIA É SUPERIORIDADE

Quem nunca ouviu a palavra meritocracia? Resumindo, é a recompensa [diploma, medalha, consideração, tapinhas nas costas, discursos etc.] ao indivíduo que atingir algum mérito positivo [status social]. Alguns exemplos:

· Ingresso numa universidade conceituada;

· Diploma universitário;

· Residência própria, principalmente em bairro de luxo;

· Automóvel do ano, principalmente importado;

· Emprego em empresa de renome;

· Preenchimento e exercício em cargo ou emprego públicos;

· Medalhista em alguma competição esportiva.

Se o indivíduo acorda cedo, trabalha exaustivamente, é disciplinado, sabe administrar os próprios bens, é perseverante em suas metas, consegue ter o insight ao que as pessoas necessitam e cria algo que atende às necessidades dos consumidores, sabe participar do complexo e mutável Livre Mercado, então, merece todas as honrarias possíveis da sociedade, do Estado. Lindo!

É necessário verificar o quanto a meritocracia, tão endeusada, realmente consagra o esforço pessoal. Ou seja, todo esforço pessoal sempre será passível de recompensas grandiosas? Lembro-me que amei o livro Pai Rico, Pai Pobre, o best-seller de Robert Kiyosaki e Sharon Lechter. "Corrida dos ratos" era um termo usado para as pessoas que procuravam conseguir o "primeiro milhão" ou ascender na escala socioeconômica. Alguns exemplos:

· Você tem uma casa própria, quer comprar outra casa, espaçosa e confortável. Você vai até uma agência bancária da Caixa Econômica Federal [CEF] para fazer empréstimo. O gerente vê que sua propriedade pode servir de garantia. Pronto, o empréstimo foi concedido. Você está feliz, fez ótimo negócio. Depois de algum tempo, por algum motivo — doença, física ou psíquica, por crise econômica do país [fato do príncipe] — você deixa de trabalhar. Sem meios para pagar as prestações da nova casa própria, o banco pleiteia a reintegração do imóvel. O sonho virou pesadelo.

· Tem um carro 89.000 KM rodados, mas em bom estado de conservação. Você vai até uma concessionária de automóveis. Negociações. Seu veículo foi aceito como parte do pagamento do novo automotor. Você sai da concessionária feliz da vida. Por acontecimento inesperado — doença familiar, intempéries climáticas, perda de emprego, diminuição de poder de venda, as taxas de juros de importação aumentaram — você não consegue honrar as prestações com o credor. Adeus ao carro novo.

A "corrida dos ratos" é justamente isso. A pessoa acha que tem algo de valor que possa ser negociado para adquirir outro bem, embora não tem reserva financeira para cobrir eventuais imprevistos. O gerente quer vender os serviços da agência bancária, pois, vendendo serviços, a comissão dele aumenta, e provavelmente se mantém no emprego. Para vender, o gerente discursa sobre as maravilhosas oportunidades, únicas, do empréstimo. Satisfeito com as explicações, o gerente lhe entrega um contrato. Você assina. Nalgum momento o gerente leu as “letrinhas” ase cláusulas de responsabilidade em caso de inadimplemento? Para “corridas dos ratos”, as “letrinhas” do contrato é o engodo da suposta “felicidade”. Os consumidores, já veteranos no assunto, sabem sobre as “promessas de felicidades” vendidas pelos fornecedores de produtos e serviços. Nos cursos profissionalizantes, no comércio, enfim, onde há fornecedor, as atratividades para o “paraíso celestial” dos contratos são tentadoras. Depois de assinado o contrato, a realidade infernal. Procon, Defensoria Pública, Juizado Espacial; tempo, muito tempo gasto para reaver direitos violados pelo fornecedor.

A MERITOCRACIA NO TEMPO

Abaixo, alguns exemplos para analisar a palavra meritocracia:

1. Imagine que você [Carlos, nome fictício] está no século XIX. A escravidão ainda existe, oficialmente. Você tem dez escravos, todos trabalham arduamente para você conseguir a extração de minério, como ouro. Extraído, você consegue vender por ótimo preço. Você é o único na região que vende ouro. Os moradores que residem na região a qual você reside, caso queiram comprar ouro na região vizinha, terão que percorrer quilômetros. O tempo e dinheiro não compensam o dispêndio. Mais fácil comprar do único ourives da cidade. Parabéns, Carlos, você merece recompensa da meritocracia por ter conseguido ser um potencial empresário.

2. João tem habilidades que invejariam os esportistas do século XXI. Porém, os Jogos Olímpicos não foram criados. João, então, com sua inteligência, consegue ingressar numa das mais conceituadas universidades de seu país. João teve a sorte de nascer em uma família com boa renda per capta, o que proporcionou ao João oportunidades de estudar em ótimas instituições de ensino;

3. Luiz Gonzaga Pinto da Gama tem boa oratória e facilidade em aprender [autodidata] Direito. Contudo, por não atender as exigências admissionais de todas as universidades de seu país, não consegue se matricular em nenhuma delas. Porém, se torna um defensor, e advogado, dos direitos humanos dos afrodescendentes escravizados no Brasil.

4. Martin Luther King Jr., sendo ótimo orador e defensor dos direitos civis dos afrodescendentes norte-americanos, não conseguiu atingir nota suficiente para ser admitido na Faculdade de Teologia da Universidade de Boston. Pela ação afirmativa, Martin consegue ingressar.

5. Até a década de 1950, nos EUA, o corpo ideal feminino era quadris largos e cintura fina. Marilyn Monroe, com seu corpo de violão, se torna um dos maiores símbolos sexuais de sua época. A partir da década de 1960 a silhueta feminina ideal muda para magérrima. A mudança no mundo da moda ocorreu quando estilista descobriu Twiggy. Para o estilista, Twiggy tinha as medidas "certas" para vestir roupas. Marilyn Monroe perde seu reinado de corpo ideal. As mulheres querem ter o mesmo corpo de Twiggy. Muito antes disso tudo, no período renascentista (séculos 15-17), o corpo feminino rechonchudo era sinônimo de beleza e saúde. Aliás, até os homens rechonchudos eram considerados sadios e elegantes.

6. Jussara tem um empreendimento. Ela possui equipe especializada que percorrer vários locais para encontrar madeira de demolição. Jussara fez empréstimo bancário para alavancar seu negócio. Com maquinários novos, as madeiras recolhidas por seus empregados são tratadas para serem vendidas, posteriormente. Se Jussara nascesse antes das ideais de sustentabilidade ambiental, ela, mesmo com sua ideia inovadora, não iria ter seu empreendimento. Ainda seria chamada de louca.

7. Antes da Revolução Industrial, no Reino Unido, e posteriormente nos EUA, o trabalho manual era prestigiado pelas classes sociais mais elevadas. Pagava-se muito bem aos artesões que atendessem as exigências e caprichos da aristocracia. Após a Revolução, esses renomados artesões perderam o interesse da aristocracia. Além disso, primordialmente, a produção em massa de produtos fez com que os produtos desses artesões se tornassem caros e demorados para atender às novas exigências consumistas. Muitos artesões, e suas famílias, tiveram que [êxodo] que sair de suas residências para morarem nas cidades, onde haviam as indústrias fabris. O dinheiro que os trabalhadores contratados pelas fábricas ganhavam mal dava para suas necessidades básicas. Crianças, por exemplo, tiveram que trabalhar nas fábricas, mais de 18 horas por dia, para ajudar na renda familiar.

8. Lírio Mário da Costa, humorista e ator brasileiro, se destacou pelas suas piadas. Contemporaneamente, muitos de suas piadas seriam consideradas pejorativas, discriminatórias. Se Costinha tivesse nascido na Idade Média, as suas piadas, indecentes, não seriam aceitas com bons olhos.

9. Na década de 1980, por exemplo, no Brasil, o Estado não proibia o ato de fumar cigarros de tabaco. O fumante poderia fumar livremente em qualquer lugar. As vendas de cigarros davam lucros astronômicos aos fabricantes. Após as proibições, os lucros caíram. O fumante foi proibido de fumar em recintos fechados.

O que se deduz de tudo o que foi escrito acima? Que meritocracia está associada às oportunidades ofertadas, permitidas pela cultura, pelo Estado. Comida japonesa, quem gosta? Atualmente os empresários desse ramo faturam muito, mas muito dinheiro. Por que os brasileiros, atuais, comem peixe cru? Houve um trabalho midiático para que a cultura brasileira aceitasse e aprovasse o cardápio — e o que é diferente, não seja condizente com "as massas", logo é chique. No tocante as ações afirmativas, como Lei Maria da Penha e cotas raciais, se algum empresário quisesse criar camisetas prestigiando cada ação afirmativa, o lucro seria certo. O mesmo não aconteceria, se não existissem as ações afirmativas. O volume de vendas não seria tão grande. Dizer que estudo de mercado é sucesso, persuadir para mudar comportamentos, para os negócios, é sofisma. Se assim fosse, não haveriam fracassos, todos estariam sorrindo com suas descobertas e inovações. Aliás, a “corrida dos ratos” não existiria.

As indústrias de bebidas alcoólicas, para ser mais exato, de cervejas, estão inovando seus produtos. Existe no mercado a cerveja “zero” álcool. Por quê? A OMS soou alarme internacional sobre os malefícios do álcool, principalmente entre os jovens, pelo alto consumo. O alto consumo se deve por vários motivos, dentre eles, as publicidades. Quem consumidor bebida alcoólica é: “descolado”; “alegre”; “chique”; esportista [casual]; “adulto”. Algo lembrou os comerciais de cigarros da década de 1980? No Brasil, o CDC [arts. 6º e 8º] é solar quanto aos produtos colocados no mercado. Somando tudo, até a Lei Seca, a tendência é de diminuir as vendas, caso os consumidores entenderem que consumir bebida alcoólica faz mal à saúde, algo similar com o tabagismo. Pergunto, o profissional que pensou em produzir cerveja sem álcool teve uma ideia revolucionária [meritocracia]? Ou, por pressões externas, da OMS e da legislação brasileira, foi obrigado a imaginar em algo que salvasse a indústria cervejeira e, consequentemente, o seu emprego?

OS RATOS E OS MERITOCRÁTICOS

Já escutei, e acredito que muitos também escutaram, “O que tenho é fruto de meu trabalho, e não tenho que dividir nada com ninguém ”. Há discussões sobre tributação maior para os mais ricos. A finalidade é, claro, a manutenção do Estado do Bem-Estar Social. Porém, é lícito e honesto que o Estado retire, imputar maior tributação, o sagrado dinheiro do trabalhador o qual deu muito duro na vida, somado à sua inteligência, para servir de assistencialismo [paternalismo] aos que não conseguiram, seja lá qual for o motivo, qualidade de vida? Vejamos. Você poderá dizer que o Livre Mercado e o livre arbítrio, consequência do Estado Mínimo, proporcionam “faça seu próprio destino, pelo esforço pessoal”. Digamos que alguém ratifica que cada qual ganha conforme a proficiência [meritocracia] pessoal. O gari, por exemplo, por não estudar — assim dirão — terá o salário condizente com sua função. Já o professor, que estudou muitos anos, por isso, tem o dever [honra] de ganhar mais do que o gari. Parece lógico. Mas qual desses dois cidadãos têm mais mérito, isto é, qual contribui mais para o desenvolvimento do Brasil. Alguns dirão que é o professor, pois ensina valores éticos e morais, alfabetiza pessoas, para que estas possam, através do intelecto, obter “bom emprego” — após se formar [nível universitário], conseguirão “bom emprego”. Já o gari, não precisa de graduação universitária; o que supõe, para muitos, que o gari usará a sua força física, não precisando, como o professor, estudar mais. Eis as diferenças para afirmar quem tem mais meritocracia.

A comparação, por si só, já demonstra preconceito, pelo seguinte motivo: o gari, pelo tipo de profissão, quando comparado com o do professor, não tem a mesma honra, utilidade que o professor tem. A honra do gari se resume tão somente em varrer, sendo o seu ato laboral de menor importância ao ato laboral do professor. Atentem ao “menor”, já cria um estereótipo negativo ao gari, como se ele não tem dignidade, ou fosse menos importante, socialmente, em relação ao professor. Tudo bem, agora você diz que o gari tem dignidade, mas ainda merece ganhar menos do que o professor. Pelos motivos expostos, o professor tem que ganhar mais porque estudou muito e alfabetiza pessoas

Bom, por exemplo, se ninguém varrer os logradouros públicos, vetores de doenças, e até entupimentos nas galerias pluviais, irão acontecer. E se não existisse gari, quem retiraria o lixo doméstico, podaria as árvores nos logradouros públicos? Os vetores transmissores de doenças logo se proliferariam [epidemia], o que seria péssimo para todos, independentemente se empresário, professor, gari. Assim, o gari tem sumária importância para o grupo social. Ah! Existe tecnologia. Futuramente terão máquinas, e já existem, para limpar os logradouros públicos, dispensado, totalmente, o trabalho braçal. Sim, concordo; concordo também que, neste início de século XXI, robôs estão parecendo humanos. E, num futuro próximo, eles darão aulas, terão inteligência artificial suficiente para substituírem seres humanos, desde garis até professores, engenheiros, médicos. Você pode dizer que é profissional de tecnologia da informação, e jamais ficará desempregado. Sofisma, pois, contemporaneamente, há muitos destes profissionais desempregados. O assunto sobre desemprego atormenta muitos profissionais. Se a Revolução Industrial no século XIX assustou, e causou várias desigualdades sociais, a Revolução Inteligência Artificial poderá ser bem pior. Quero dizer com isso? Se antes o trabalho braçal foi comprometido pelas Revoluções Industriais, na Inglaterra, EUA e Rússia, a Revolução Inteligência Artificial não diferenciará mais tipos de carreiras, profissões. O desemprego será algo inimaginável.

Se meritocracia é esforço, dedicação, reconhecimento [mérito, honra] pelos benefícios à sociedade, o gari tem, sim, importância, e merece todos os méritos positivos da sociedade. Gari retira, por exemplo, o lixo doméstico, não retirando pode ter epidemias. O professor alfabetiza, não exerce função igual ao do gari. Numa epidemia, pelo valor social relevante, qual a meritocracia imediata do professor? Nenhuma, a não ser que arregaça as mangas e põe suas mãos para recolher o lixo — posso comparar com o final da Segunda Guerra Mundial, na reconstrução, não houve diferença, mas união. A meritocracia, então, é cíclica. Depende de fatores externos. Os artesões, antes das Revoluções Industriais [Reino Unido e EUA], possuíam valorosa função na sociedade aristocrática. Após as Revoluções, os artesões perderam o status social positivo.

O que quero transmitir é a necessidade de se retirar o “Véu da Ignorância”, ou “Véu de Ísis”, que se formou por séculos na sociedade brasileira. De que certas profissões são mais honrosas do que outras. Pior, transfere-se a ideologia de “inferior” ou “superior” para o ser humano ao trabalhar em determinada profissão considerada “honora” ou “desonrosa”. Tanto o gari quanto o professor exercem funções primordiais para a sobrevivência humana. A meritocracia é uma invenção sem qualquer lógica. A meritocracia não depende unicamente do indivíduo, mas das circunstâncias sociopolíticas que se apresentam aos cidadãos. Há discussões calorosas sobre a comercialização da maconha de forma recreativa. Se a maconha deixar de ser droga ilegal, e puder ser vendida em estabelecimentos comerciais, o esforço e a dedicação do empreendedor não terá nenhum mérito grandioso, porque o Estado permitiu a comercialização. Se esse mesmo empreendedor tivesse a brilhante ideia de comercializar maconha na década de 1990, seria preso. Aprofundando-se ao tema meritocracia. Todos cometem plágio. Eu sei ler e escrever graças aos professores que me alfabetizaram. E os professores aprenderam com alguém, claro. O químico contemporâneo conhece tudo sobre sua profissão, porque teve prévio conhecimento, estudos de químicos pretéritos. O arqueólogo, por exemplo, que descobriu uma nova civilização consegue decifrar o tipo de escrita usado pelo povo extinto dessa civilização. O arqueólogo, inicialmente, estudou, aprendeu na universidade, leu muitas obras de renomados arqueólogos. Como Sherlock, começa a montar o quebra-cabeça. Mérito, sim; endeusamento e narcisismo, não. Tudo que uma pessoa sabe é fruto de outros conhecimentos, os quais foram desenvolvidos, aperfeiçoados e, até descobertos acidentalmente.

Em síntese, o endeusamento à meritocracia tem aumentado o complexo de inferioridade na humanidade. Quem se acha melhor do que as demais pessoas, por ter mais meritocracia, assim se pensa, age egoisticamente com as pessoas que considera “desiguais”, “inferiores”. Ora, gari, por exemplo, não tem a capacidade de estar em todos os locais. Necessita de roupas, alimentos, abrigo, água. Disso, depende de outros seres humanos. Da mesma forma, o professor, ou outro profissional, necessita de outros seres humanos para suas necessidades naturais de ser vivo. Cada qual depende um do outro. E isso é visível em catástrofes, em guerras, como na Segunda Guerra Mundial. Alguém poderá dizer que tendo dinheiro se compra tudo, sem "sujar às mãos". “Seja bem-vindo à Máquina Antropofágica”, responderei. Portanto, quando você não tiver o “poder” do dinheiro em suas mãos, ninguém fará nada por você. Que desgraçada sociedade é, e sempre será.

E quanto à serendipidade? Há meritocracia quem descobre algo que jamais pensou, mesmo que salve vida? E quanto ao cientista que, exaustivamente, pesquisa e descobre, sem ser por serendipidade, algo utilíssimo para a humanidade? Qual cientista tem mais valor social, mais meritocracia? E o que falar de empreendedorismo versus direitos humanos? Muitas corporações, e até mesmo singelo revendedor de sandálias de dedos, todos agem em respeito aos direitos humanos? Os fornecedores estão cometendo crimes? Há trabalho análogo ao escravo, poluição, contaminação da flora e fauna por resultado da atividade? Há o PPPI [Parceria Pública Privada Ímproba]? Coloquemos em questão o profissional da área de saúde. Pelos Códigos de Éticas, precisamente pelo juramento de Hipócrates, todos os profissionais devem socorrer quem necessidade de ajuda, independentemente da gravidade. Pelas legislações infraconstitucionais, tantos os profissionais da área de saúde quanto quaisquer outros cidadãos, são obrigados [virtude] a socorrerem quem necessita não tem capacidade de se proteger:

Código Civil

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Código Penal

"Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”. “Relevância da omissão (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

C) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”.

Omissão de socorro

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa”. Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”

Se a meritocracia é para os cidadãos que trabalham arduamente, e o Estado não tem direito [roubo] de exigir que cidadãos ricos paguem mais tributos, por analogia, o profissional da área de saúde não tem o dever de socorrer ninguém na rua, pois, pela visão simples dos libertários, o Estado não pode coagir ninguém a fazer o que não quer. Nesse diapasão, o profissional da área de saúde pode cobrar o preço que quiser, da consulta, ou do tratamento, o qual acha justo, honroso pelo seu esforço pessoal. O plano de saúde também pode cobrar o preço [justo, por meritocracia] que bem entender. Se, por exemplo, o cliente do plano de saúde particular não tem mais condições de pagar, por qualquer plano, admitindo que não existe o Sistema Único de Saúde [SUS], restará o choro no deserto, ou o leito agonizante. Porém o SUS existe, o cidadão, que tinha plano particular de saúde, terá a “sorte” de ser atendido, com honra — já que contribui, ou contribuiu — pelos profissionais e pelo próprio Estado. No entanto, o somatório das contribuições garante quaisquer tipos de atendimentos e operações? Não, se basearmos no mercado, nos valores os quais os planos particulares cobram, ou os profissionais liberais cobram. As contribuições são irrisórias, quando se analisa os gastos com equipamentos e profissionais com os quais o Estado tem despesas. Da mesma maneira, o que se paga ao plano de saúde particular é irrisório, quando se analisa os gastos com compra e manutenção de equipamentos e pagamentos aos profissionais. É “explorar”, “subtrair” a meritocracia do dono do plano de saúde, do gestor público que consegue honrar o princípio da eficiência administrativa [caput do art. 37 da CF/88]. Também é “injusto” a ação afirmativa das cotas raciais, pela conclusão, já que houve “privilégio” aos afrodescendentes e “subtração” dos esforços pessoais dos não afrodescendentes. O “justo”, o “honroso”, o respeito à meritocracia é que cada qual sobreviva, consiga, o que necessitar, desde que não “roube”, não “explore”, não “subtraia” a meritocracia alheia.

Resta, então, concluir que quem não conseguiu certa excelência econômica, para pagar [honrar] o preço justo, não terá qualquer legitimidade de reclamar dos preços abusivos. É justo ao vendedor de água mineral cobrar o preço que quiser [libertarismo/meritocracia/livre mercado], mesmo quando houver desastres naturais. O consumidor, que não tem o dinheiro suficiente para pagar o justo valor cobrado pelo fornecedor, não poderá reclamar, muito menos procurar algum órgão de defesa do consumidor. Se o Estado, por meio dos órgãos de defesa do consumidor, coagir o fornecedor baixar o preço, por ser considerado aumento abusivo [art. 39, do CDC]; o ato do Estado é total usurpação — é roubar a meritocracia — da força e a da inteligência do fornecedor. Também é justo [livre mercado/meritocracia] que o fornecedor de serviço público de distribuição de energia elétrica corte o fornecimento do inadimplente, mesmo que este necessite de energia elétrica para manter equipamento de suporte de via. O Estado, que exige a manutenção do fornecimento, mesmo estando inadimplente o consumidor, coage, subtrai a meritocracia da concessionária prestadora de serviço. Pior, age o Estado como déspota controlador do Livre Mercado.

A meritocracia é “cada um por si” e “vence o melhor” — melhor dizendo, sobrevivem os melhores. Se há erro substancial na aplicação das cotas raciais, por subtrair a meritocracia dos não afrodescendentes, elas devem terminar para que cada qual consiga, por mérito próprio, ingressar numa universidade. É coação do Estado exigir que as universidades “privilegiem” os afrodescendentes. Que se esforcem mais, que estudem mais. Meritocracia e Livre Mercado. As privatizações são justas. Por quê? Historicamente, as universidades públicas têm atendido o clamor da aristocracia, dos brancos — lembre-se de Luiz Gama. Para terminar com isso, já que o Estado não ditará mais quem tem, ou não, privilégio de ingressar numa universidade pública, todas as universidades públicas devem ser privatizadas. Iremos acreditar, pela força do Livre Mercado, que as universidades privatizadas não irão discriminar pessoas pela etnia, sexualidade, morfologia. Ingressa quem tiver meritocracia, ou seja, passou pelos critérios exigidos pelas instituições de ensino, e tem dinheiro para honrar o compromisso assumido com a universidade. Justo e equânime. Por algum motivo, já que você quer justiça e honra em sua vida — tem que ser meritocrático até o fim de sua vida, isto é, seus pais, ou parentes, não podem pagar nada —, caso não tenha condições próprias de honrar com as mensalidades [inadimplência], é direito [honra da instituição] proibir, a qualquer momento, de você continuar o ano letivo. Além disso, a instituição poderá reter seu diploma, caso você tenha concluído o curso, por inadimplemento. É injusto que o Estado exija, usurpa o direito da instituição ao Livre Mercado, de negociar como bem quiser. A meritocracia é honrar, ficar inadimplente, por qualquer motivo, é desonroso, é não ter capacidade para de concorrer com os melhores.

Financiamento para compra de casa própria. Você deu seu único imóvel como entrada [corrida dos ratos]. Pela crise política, a qual os brasileiros estão vivenciando, há inflação e desemprego. Se você não tem condições de honrar os pagamentos [parcelas], você foi incompetente por não ter reserva em mãos; o meritocrático, por sua competência e sapiência, teria guardado 10%, 20% de seus rendimentos para usá-los em caso de imprevisto — a inflação é imprevista para os governados. Mesmo que você tenha reservado algum dinheiro, mas não é suficiente para pagar as parcelas, pela meritocracia, você é o único responsável pelo seu fracasso. Assuma, sozinho, o risco e as consequências. Afinal, na meritocracia cada qual cuida de sua vida, de seu destino; e vence o melhor.

Se as instituições bancárias da inciativa privada não têm condições de honrar os seus compromissos com seus clientes, como não ter ativos suficientes para, a qualquer momento, permitir que seus clientes cancelem suas contas correntes, e obtenham suas aplicações, não há meritocracia para as instituições bancárias. Aliás, a prática bancária, por si só, é desonesta, pois elas fornecem créditos sem, realmente, ter reserva [ativo]. Se todos os correntistas quiserem retirar — é necessário aviso com antecedência para retirada de quantias elevadas — seus dinheiros, os bancos pedirão falência. E, pela meritocracia, pelo Livre Mercado, o Estado não deve ajudar. E os juros. A criação de juros é um conceito abstrato. Sendo conceito abstrato, cobra-se pelo que se acha" justo ". Justo pelo seguinte motivo, deixei de comer as duas maçãs, já que lhe emprestei uma. Não sei quando obterei mais maçãs. Logo, a minha fome será tanta que justifica cobrar a mais para saciá-la. Quando o devedor pagar [entregar duas maçãs], comerei a que emprestei — deveria ter comido antes de emprestar — e deixarei a outra como reserva para algum imprevisto. É mais ou menos assim. Pergunto, se o possuidor não emprestasse uma maçã, ficando com as duas, ele não teria que conter sua fome, ou sua gula, para não comer as duas de única vez? Juros é algo muito discutido contemporaneamente. Se pensarmos que juros é uma forma de explorar a necessidade de outra pessoa, então é injusto. Juros também é uma desonra, é contra a virtude, pois exige da outra pessoa mais desempenho para prover a exigência de outra pessoa [credora].

Se pensarmos em meritocracia/liberalismo, quem possui tem o direito de dar, emprestar, com juros ou sem juros, a quem quiser. E o Estado não pode exigir do possuidor dos bens que empreste e estipule juros como bem quer. É coação do Estado, é roubar o direito natural do credor. Se o credor quiser um pedaço de carne [Mercador de Veneza] do devedor, é direito de este cobrar como bem quiser, afinal, quem pega algo emprestado, tem que se submeter aos caprichos e exigências do credor. Admitindo a meritocracia e o Livre Mercado, quem tem mais, tem o direito de cobrar o valor que quiser, exigir o que também quiser. Seja em quantidade, seja um pedaço de carne do devedor, seja até a única propriedade do devedor. Pacto é pacto, e pacto é honrar compromissos. Ninguém forçou o devedor a pegar emprestado. Assumiu o compromisso pelo livre arbítrio que possui. Se está faminto, não é problema dos outros, de quem tem mais, ou sobrando. É cada qual na sua. O devedor pode dizer que não é justo cobrar juros tão altos, mas, pelo libertarismo, quem acha justo cobrar determinado valor é o possuidor, o credor, pois ele, pela sua meritocracia, tem o direito natural de dispor como bem entender de sua propriedade, de seus bens. É questão de demanda e procura, necessidade e oferta.

Se você é contra as cotas raciais, ou qualquer outra ação afirmativa, então é um libertário. E sendo libertário, assuma seus riscos, não reclame de ninguém, mesmo que queira lhe emprestar sob única condição, a de comer um pedaço de seu corpo. Não há valores morais em questão, o que há é o direito natural à propriedade, de dispô-la como bem entender. É livre para cobrar do jeito que queira seja de uma criança, de um adolescente, de um adulto, de um idoso. O que não pode acontecer é tomar, coagir a outra pessoa a fazer o que você quer. Se a outra pessoa aceitar sua proposta, por mais indecente que seja, houve comum acordo, ninguém violou nenhum direito natural.

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REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas / Zygmund Bauman; tradução José Gradei. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. Tentativa de interpretação antropológica, através de anúncios de jornais brasileiros do século XIX, de característicos de personalidade e de formas de corpo de negros ou mestiços, fugidos ou expostos à venda, como escravos, no Brasil do século passado. Apresentação de Alberto da Costa e Silva. 1ª edição digital. São Paulo – 2012

PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. Profissionais da área de saúde e as entidades de atendimento médico-hospitalar emergencial diante do CDC, da CF/1988, do CP e do CC. Disponível em: JusBrasil...

OLIVEIRA, André Gualtieri de. Filosofia do Direito / André Gualtieri de Oliveira. São Paulo: Saraiva, 2012. (Coleção saberes do direito ; nº 50)

ROBERTS, Royston M. Descobertas acidentais em ciências. Editora Papirus, Campinas, 1993

SANDEL, Michael J. Justiça [recurso eletrônico] / Michael J. Sandel; tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

WILKINSON, Richard; PICKETT, Kate. O Espírito da Igualdade – Por que razão sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor. Coleção: Sociedade Global. Nº na Coleção: 40. Data 1ª Edição: 20/04/2010. Nº de Edição: 1ª. Editora Presença.

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