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sábado, 16 de maio de 2015

Dr. Dirceu Rodrigues, da Abramet: “Blitze antiálcool e exame toxicológico precisam ser repensados”

Em meio às ações realizadas no mês pelo Movimento Maio Amarelo, que leva Detrans e órgãos de trânsito a intensificarem a fiscalização e a conscientização de motoristas sobre a direção segura como forma de atingir a meta estabelecida pela ONU de reduzir pela metade as estatísticas de óbitos e feridos no trânsito brasileiro, o Radar Nacional conversou com o diretor de Comunicação da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Dr. Dirceu Rodrigues Alves Júnior.

Formado pela Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade do Rio de Janeiro, especialista em Medicina de Tráfego aprovado pela Associação Médica Brasileira, Rodrigues criticou o modo como os Detrans têm trabalhado as operações da Lei Seca, segundo ele, polarizadas em grandes centros e com foco na arrecadação. Também questionou a eficácia do exame toxicológico em caminhoneiros exigido pelo Denatran. O especialista afirma que o teste, que detecta a presença de substância ilícita no organismo em até 90 dias, não serve como critério de avaliação sobre as condições de o motorista exercer a profissão.

Rodrigues também falou das necessidades de aperfeiçoar os cursos de condutores em formação, da precariedade na segurança dos veículos brasileiros e criticou o despreparo da rede pública de saúde para prestar socorro a vítimas de acidentes de trânsito.

Confira abaixo, a íntegra da entrevista:

O que falta para o Brasil chegar perto de atingir a meta estipulada pela ONU de diminuir a violência no trânsito?

Falta muita coisa. Começa com a educação de trânsito, ainda deficiente nas escolas, de conhecimento sobre o código de trânsito, que deveria ser aplicada em sala de aula desde os cinco anos de idade até os 18 anos no indivíduo.

Além disso, os cursos de formação de condutores precisam de uma modificação consistente em termos de aprendizado real e não o que motoristas e motociclistas aprendem hoje. Acho que falta muita coisa para atingirmos a meta da ONU de reduzir pela metade os óbitos e a quantidade de sequelados por causa do trânsito.

Acredita que as ações do Movimento Maio Amarelo podem ajudar a reduzir as mortes no trânsito?

Precisamos de muita coisa diferenciada para vencer esse desafio. Não podemos imaginar que o candidato a motorista faça uma prova com um percurso a 30 km/h nas vias públicas, uma baliza e ser considerado pronto para dirigir todos os dias. Ele não conhece, desta forma, as adversidades que vai encontrar na cidade, nas estradas, à noite, na neblina, enfim, condições que ele não vivenciou no treinamento. É necessário que se vá para uma pista específica onde o candidato vai treinar a frenagem, transitar em situações de riscos que o deixem preparado para se defender em uma condição real. Os simuladores seriam importantes nesta questão. Além disso, também é preciso colocar a cidadania como condição primordial para a concessão da CNH.

Os Detrans têm ampliado as blitze antiálcool. Acredita tratar-se de uma manobra eficaz ou é somente um método caça-níquel?

Trata-se de uma ação subjetiva com o propósito maior de arrecadar. Não é possível entender as ações pontuais da Polícia Militar em determinadas regiões. Em São Paulo, por exemplo, Vila Leopoldina, Vila Madalena, são as pontos principais de realizações de blitze da Lei Seca. Mas sabemos que não é só à noite que se usa álcool. Temos motoristas alcoolizados durante todo o dia. A dependência química do álcool existe em 54% dos nossos motoristas e, no entanto, as ações são concentradas com o objetivo de surpreender jovens que saem da balada e de bares. O objetivo tem de ser muito maior: de combater em escala nacional o uso irresponsável do álcool. As ações são polarizadas em capitais e grandes cidades e, sem uma amplitude, não vamos conter de forma eficaz o uso de álcool combinado com a direção.

O Ministério das Cidades adiou o prazo para a obrigatoriedade dos exames toxicológicos e, conforme mostram as estatísticas, muitas vidas são perdidas por acidentes provocados por caminhoneiros sob efeito de substâncias ilícitas. Acredita que o modo como o órgão determinou a avaliação do condutor irá trazer resultados?

Em qualquer ação, é importante a compreensão dos nossos acidentes. Precisamos ampliar [a fiscalização], não podemos deixar restrito a Rio e São Paulo e nos esquecermos de que no Nordeste motoristas e motociclistas também usam bebida e drogas e transitam impunemente, se sujeitando aos acidentes mais graves, muitas vezes provocando lesões. Esse país é de proporções continentais e é inimaginável que haja ações pontuais em determinadas cidades e só. É preciso usar mais recursos humanos e tecnológicos para termos uma ação real que contribua de fato com a redução dos acidentes de trânsito no país.

Os Detrans reclamam da falta de informações sobre o credenciamento de clínicas para exames toxicológicos. No Amazonas já há um estudo para que os exames sejam feitos na hora, a exemplo das blitze antiálcool. Qual a sua avaliação sobre esta alternativa? Seria tão válida quanto exigir o exame na renovação da CNH?

A Abramet é terminantemente contra o exame toxicológico. O motivo é simples. Ele não nos traz qualquer informação sobre a atividade do motorista no momento em que está dirigindo sob efeito da droga. Isso é importante, não posso conter o indivíduo que faz uso do álcool ou de outra substância no fim de semana. O que interessa é se ele está na atividade de motorista profissional em uso destas substâncias. Essa é uma questão que deve ser encarada com regularidade e austeridade. O exame toxicológico hoje é de larga janela e mostra se o indivíduo consumiu droga nos últimos 90 dias. Mas eu pergunto: esse exame comprova que ele usou drogas no momento em que estava ao volante? Não, de forma que esse exame não contribui em nada. Acho que a lei está sendo impertinente e capaz de causar danos ao motorista, sobretudo.

Os exames de aptidão física e mental exigidos para a obtenção de CNH são o suficiente para avaliar as condições de um candidato à habilitação assumir o volante? O que falta para tornar mais criteriosa a concessão do direito de dirigir ao profissional?

As condições que são propostas hoje, por exemplo, ao caminhoneiro, trazem algumas transgressões e abusos. Empresários e embarcadores estão exigindo por demais do motorista profissional. A exigência é tamanha que impede que o indivíduo possa exercer sua atividade de maneira regular, segura, sem estresse, apreensão.

Os motociclistas são as principais vítimas no trânsito, segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária. Como mudar esta realidade, especialmente nos grandes centros, onde motocicletas se apertam entre os carros?

Não podemos considerar que veículos e máquinas diferentes possam transitar no mesmo ambiente, no mesmo espaço. Caminhões e carretas não podem dividir espaço com motocicletas e até bicicletas. Isso não é normal. Temos que desovar esses indivíduos em motofaixas, ciclovias, para poder diminuir a relação entre veículos pesados e leves. Assim, certamente vamos diminuir os acidentes com óbitos e sequelados.

A Associação Nacional dos Detrans (AND) vai propor que as vítimas fatais de acidentes de trânsito também sejam submetidas a exames de alcoolemia e toxicológico. Qual a sua avaliação sobre a proposta?

Muito importante. Nossos ciclistas e motociclistas não podem ficar no abandono. Não há controle real e objetivo para que a gente possa impedir a presença de álcool e de substâncias toxicológicas que possam comprometer o estado físico do indivíduo que acabe exposto a uma condição de trânsito com riscos. É necessário que também se avalie isso. O sujeito alcoolizado, drogado, o pedestre, invadindo um ambiente de massa de veículos, que ele possa ser responsabilizados quando houver imprudência.

A tecnologia em favor da segurança de condutores e ocupantes de veículos é bastante superior em países da Europa e nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, as avaliações do Latin NCAP mostram que a maioria dos modelos está muito aquém dos padrões exigidos para garantir a integridade física de vítimas de colisões. De que forma é possível mudar isso?

As montadoras são indústrias que atuam de forma extremamente precária quando se trata da segurança veicular. Os veículos são frágeis, incapazes de absorver a energia do impacto de uma colisão. E não absorvendo esta energia, ele passa a transmiti-la para o interior do veículo, causando lesões graves aos motoristas e passageiros. As montadoras precisam priorizar a prevenção dos acidentes, construir veículos com mais condições de segurança a seus ocupantes. Desta forma, estaremos protegendo a saúde e bem-estar dos cidadãos.

Como avalia o atendimento a vítimas de acidentes de trânsito no país. A rede pública de saúde tem tecnologia e estrutura adequadas para socorrê-los?

Infelizmente, o atendimento deixa a desejar. Muitas vezes o indivíduo é levado para um hospital que não oferece os recursos necessários para o socorro. No caso dos traumas de crânio, a vítima é levada para uma unidade de saúde onde não há um neurocirurgião, profissional capaz de identificar se houve alguma lesão cerebral e, logicamente, o tratamento necessário em situação de urgência.

Fonte: Wilson Vieira/Portal Radar Nacional

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