JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Publicação : 2002 / II p. 198
Feito: CORREICÃO PARCIAL
Número: 998/02
Indexação:
Correição Parcial, Falta de Elementos para a Denúncia - Art. 397 do CPPM, in fine.
Ementa:
Pedido de correição parcial, formulado pelo Corregedor-Geral da Justiça Militar do Estado, contra decisão de Juíza-Auditora Substituta, que determinou o arquivamento de autos de IPM, reconhecendo culpa exclusiva da vítima (art. 498, letra b, do CPPM).
Questão suscitada pelo agente ministerial em 2º grau, que ventilou, em manifestação oral, a possibilidade de a correição parcial, requerida pelo Juiz Corregedor-Geral da JME, ter por escopo, também, o saneamento do error in judicando ou apenas a correção de error in procedendo.
Admissibilidade da correição para reexame tanto da ilegalidade formal do arquivamento como do mérito desse ato. Eventual concorrência da vítima não afasta a responsabilidade pela culpa stricto sensu de outrem.
Pedido deferido porque não comprovada, estreme de dúvidas, eventual excludente de culpabilidade na conduta do indiciado, circunstância suficiente para a propositura da ação penal militar. Havendo prova do fato que, em tese, constitua crime e, ainda, indícios de autoria, a denúncia é obrigatória, ex vi do art. 30 do CPM. Remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça (art. 397, parte final, do CPPM). Decisão unânime.
Relator: Sergio Antonio Berni de Brum
Inteiro Teor:
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. O Comandante do CRPO/Fronteira Oeste, através da Portaria nº 58/02, determinou a instauração de inquérito policial militar para apurar lesões corporais em acidente de trânsito envolvendo policial militar em serviço, ocorrido em 22/12/01, às 23h45min, na Rua Miguel Santana, sentido centro-bairro, na cidade de São Gabriel, quando, em deslocamento para atendimento a uma ocorrência de desordem, o Sd. Jackson Tomé da Silveira Fernandes, motorista da viatura Gol, prefixo 3490, acabou colidindo com a bicicleta conduzida por Rosiclei Pinheiro e Silva.
Os fatos foram assim descritos: “No dia 22 de dezembro de 2001, por volta das 23h45min, na cidade de São Gabriel, a guarnição da viatura BM 3238, tendo como motorista o Sd. Alcino Solau Marques e como patrulheiro o Sd. Jorge Vanderlei Soares, e a guarnição da viatura BM 3490, tendo como motorista o Sd. Jackson Tomé da Silveira Fernandes e como patrulheiro o 3º Sgt. Renato dos Santos Ferreira, foram despachados para atender a uma ocorrência de desordem no Bairro Dr. Dácio. Na ocasião, quando perfaziam a Rua Miguel Santana, sentido centro-bairro, em determinado momento, o Sd. Alcino Solau Marques, que conduzia a viatura prefixo 3238, um automóvel Chevrolet Corsa, veio a se deparar com o ciclista Rosiclei Pinheiro e Silva trafegando em sentido contrário, contudo logrou desviar dele e passar. O Sd. Jackson Tomé da Silveira Fernandes, que conduzia a viatura de prefixo 3490, um Volkswagen Gol, e seguia atrás daquela, não obteve a mesma sorte e acabou colidindo com o dito ciclista.
Da colisão resultaram não só danos materiais em ambos os veículos, mas também lesões corporais no ciclista Rosiclei Pinheiro e Silva, conforme exame sumário de lesões corporais (fls. 12, 36 e 37).
Concluiu o encarregado do IPM que não ocorreu prática de transgressão militar e nem crime militar, posto que, pelos depoimentos colhidos, ficou evidenciado que a causa do acidente foi a falta de sinalização noturna dianteira e traseira na bicicleta do Sr. Rosiclei Pinheiro e Silva, o que dificultou a visualização do mesmo por parte do motorista da viatura prefixo 3490, e, ainda, porque o ciclista se deslocava na contramão de direção.
Distribuídos os autos, em 16/4/02 o ilustre Promotor de Justiça Dr. Joel Oliveira Dutra, atuando junto à Justiça Militar de Santa Maria, requereu o arquivamento do inquérito policial militar, pois, segundo as narrativas dos policiais militares, o ofendido transitava na contramão de direção, e, “assim, não há elementos que indiquem tenha concorrido o servidor militar para o acidente; ao contrário, tudo indica que tenha havido culpa exclusiva da vítima – trafegar em via pública sem a sinalização noturna e na contramão de direção” (fls. 65, 66).
A douta magistrada da Auditoria Militar de Santa Maria, Dra. Viviane de Freitas Pereira, em 23/4/02, ratificou o entendimento de que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima civil Rosiclei Pinheiro e Silva (fl. 67 e v.). Conclusos os autos ao eminente Juiz Corregedor-Geral em exercício, Cel. Antonio Codorniz de Oliveira Filho, Sua Excelência, nos termos do art. 498, b, do CPPM, ofereceu representação, pois, no seu entender, dos autos não emergiam subsídios consistentes a afastar a culpa em sentido estrito do Sd. Jackson Tomé da Silveira Fernandes.
Assevera o eminente Juiz Corregedor-Geral que os depoimentos prestados pela vítima na Polícia Civil e ao encarregado do IPM estão divorciados. O primeiro, prestado na repartição policial, afirma que não é verdade que estivesse transitando na contramão, conforme alegado no histórico da ocorrência policial (fls. 33/34). No segundo depoimento, prestado no inquérito, afirma que uma viatura passou pelo depoente e lhe deu sinal de luz, a qual lhe “escandeou” (sic) os olhos, e em seguida veio em sua direção outra viatura, a qual chocou-se contra a bicicleta (fl. 24).
Aduz o Sr. Corregedor-Geral, ainda, que há divergências no tocante à real posição do ciclista na faixa de rolamento no momento em que se deu o embate com a viatura gol. Por fim, ressalta que o Sd. Jackson dirigia a viatura de forma imprudente, pois as condições da rua, com poeira, sem iluminação adequada, estavam a recomendar que conduzisse a viatura com mais cautela, com maior distância à retaguarda da outra viatura, pois é previsível o surgimento de obstáculos à frente, fato que ensejaria a necessidade de efetiva manobra tendente a evitar colisão. De outra parte, tendo a primeira viatura passado pelo ciclista, desviando à direita, e o indiciado não logrado fazê-lo, vislumbra-se que teria obrado com imperícia.
Em seu sempre judicioso parecer, o eminente Procurador de Justiça Dr. Sergio Luiz Nasi opinou pela procedência da presente correição parcial (fl. 73 à 75). É o relatório. Inicialmente, cumpre destacar que o nobre Procurador de Justiça junto ao Tribunal, Dr. Sergio Luiz Nasi, ventilou, em sua manifestação oral, relevante questão, indagando a possibilidade de a correição parcial, requerida pelo Juiz Corregedor-Geral da JME, abordar questão relativa ao mérito do arquivamento do inquérito.
Em outras palavras, questionou se a correição parcial poderia ter por escopo, também, o saneamento do error in judicando, ou apenas deveria corrigir o error in procedendo. A resposta a essa instigante questão, nos parece, já foi ofertada, de forma hialina, por este Tribunal, quando do julgamento da Correição Parcial nº 718/86, em cuja ementa consta: “Representação do Corregedor para desarquivamento do IPM, arquivado, pelo Juiz-Auditor, a pedido do MP. Exame histórico da correição parcial na Justiça Militar. Doutrina e jurisprudência. Precedentes do egrégio STF. Admissibilidade da correição para reexame tanto da ilegalidade formal do arquivamento como do mérito desse ato. Inexistência de incompatibilidade com a Súmula nº 524 do STF. Representação julgada procedente. Remessa dos autos ao Procurador de Justiça. Decisão unânime”.
O egrégio Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre o tema, assentando que, no âmbito da Justiça Militar, é perfeitamente possível, pois amparado em lei, o crivo da Corregedoria-Geral sobre o mérito do arquivamento de inquéritos, conforme demonstram as ementas dos Hábeas-Córpus nºs 61.416 e 61.212-1, a seguir transcritas: “Desarquivamento de inquérito policial militar pelo Tribunal de Justiça Militar, acolhendo pedido do Corregedor. Legalidade, em face do art. 311, II, da Resolução nº 61, de 8/12/1975, do colendo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, expressamente, o prevê. Distinção entre a lei processual penal comum e a militar federal. Inaplicabilidade, ao caso, da Súmula nº 524. Hábeas-córpus indeferido”.
“Não importa constrangimento ilegal o desarquivamento do inquérito policial militar com base em representação do Juiz-Corregedor, nos termos de previsão legal expressa. Inaplicabilidade da Súmula nº 524. Precedente do STF”.
Com essas considerações, o Tribunal Militar reafirma sua disposição de oferecer ao Juiz-Corregedor uma amplitude de horizontes em suas representações, eis que o Direito Militar e a Justiça Militar, de natureza especial, exigem, para que se cumpra a finalidade de tutelar a disciplina, a hierarquia e a eficácia da ação policial militar, que não se transija com atos que, em tese, constituam crime. Daí a existência de um ordenamento jurídico militar próprio, em que a defesa da sociedade contra atos dos que, pela função, dispõem do poder deve ser preocupação permanente dos tribunais militares. Isso posto, passa-se ao mérito da correição parcial.
Razão assiste ao eminente Juiz Corregedor-Geral em exercício, Cel. Antonio Codorniz de Oliveira Filho, ao representar contra o prematuro arquivamento do IPM. Com efeito, a alegada culpa exclusiva da vítima, traduzida em trafegar em via pública sem sinalização noturna e na contramão de direção, que serviu como fundamento ao parecer do eminente Procurador de Justiça e ratificação da decisão da eminente Juíza-Auditora Dra. Viviane de Freitas Pereira, não restou saciavelmente comprovada.
Como muito bem gizou o atilado Procurador de Justiça Dr. Sergio Luiz Nasi, defluiu-se, em princípio, que o Sd. Jackson praticou iter criminis do art. 210 do CPM, por não atentar para os cuidados necessários ao perfazer um trecho retilíneo, de chão batido e sem iluminação adequada. Na ocasião, a viatura do Sd. Jackson era precedida pela viatura prefixo 3238 (Chevrolet Corsa), tendo ao volante o Sd. Alcino Salau Marques. Ambas foram despachadas para atender a uma ocorrência de sinal “12” (desordem). No trajeto, o Sd. Alcino deparou-se com um ciclista trafegando em sentido contrário. Naquela rua estreita, fez-lhe sinal de luz e cruzou por ele, e o Sd. Jackson, que seguia atrás da viatura prefixo 3238, acabou colidindo com a bicicleta do civil. A posição em que se encontrava o ciclista na faixa de rolamento não é pacífica, orientada apenas pelos depoimentos dos policiais militares, que afirmam que o civil pedalava pela contramão.
O arquivamento da peça investigatória, nesta fase, mostra-se prematuro. A eventual ocorrência de culpa da vítima não afasta a responsabilidade stricto sensu de outrem, e, através do devido processo legal, sob o crivo do contraditório, a acusação da prática de crime militar em tese será apreciada pelo órgão julgador. Mesmo que a vítima estivesse trafegando na contramão de direção, no Direito Penal não há compensação de culpas, devendo ser investigada através do exercício da persecutio criminis in judicio. Também a culpa do acusado não restou sobejamente afastada, conforme enfatizou o eminente Procurador de Justiça em seu parecer.
Para a deflagração do processo penal militar bastam a prova de fato que, em tese, constitua crime e indícios de autoria, como dispõe o art. 30 do CPPM. O que se tem, objetivamente, é uma conduta antijurídica e um resultado provocado por essa conduta, prevista, na lei penal militar, como crime, suficiente para o oferecimento e o recebimento de uma denúncia penal militar.
Pelo exposto, o Tribunal Militar do Estado, à unanimidade, defere o pedido de correição parcial.
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