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terça-feira, 7 de junho de 2016

Por que os brasileiros se comovem com crianças africanas e não com os afrodescendentes brasileiros?

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A ONU lançou, em 2015, A Década Internacional de Afrodescendentes — 2015 a 2024. O documento propõe que todos os Estados-membros se esforcem, em cada âmbito interno, para acabar com os preconceitos e discriminações contra os afrodescendentes. No documento, "A população afrodescendente está entre as comunidades mais pobres e marginalizadas do mundo. Ela apresenta alto índice de mortalidade e mortes maternas, além de acesso limitado a educação de qualidade, serviços de saúde, moradia e seguridade social. Pode se deparar com discriminação no acesso à justiça e enfrenta índices de violência policial e filtragem racial alarmantemente altos". Moradia, acesso à Justiça, o tratamento entre servidores públicos e afrodescendentes, entre outros, são abordados como alertas para a situação dos afrodescendentes, planetariamente.

Lágrimas e lágrimas brasileiras

Sejam em blogues, sites ou redes sociais, a comoção diante de crianças do continente Africano deixa evidente de que os brasileiros não são racistas, e muitos menos preconceituosos. Imagens de crianças, ou adolescentes, segurando armas são justificadas pela inocência e condições mesológicas, a de que as guerras civis na África forçam as crianças a agirem brutalmente. Em outras imagens, crianças subnutridas comovem. Centenas de milhares de mensagens repudiam o continente Africano, a globalização [neoliberalismo] que exploram riquezas transnacionais.

Porém, as lágrimas derramadas, pelos brasileiros, às crianças e adolescentes, do continente Africano, não são análogas quanto aos afrodescendentes em solo pátrio. Criança ou adolescente segurando armas são consideradas "crias do mal". As crianças brasileiras que pedem alimentos nas vias públicas abertas à circulação são consideradas "preguiçosas", "oportunistas". Quando são moradoras de rua, muitos brasileiros as consideram enorme problema de saúde e segurança pública. A solução é retirá-las e bani-las do convívio com os moradores dos belíssimos prédios construídos às margens das pistas de rolamento. Afinal, tais moradores pagam IPTU altíssimos. O interesse público, então, exige que os administradores públicos lhes atendam. Em muitas localidades brasileiras há os dispositivos chamados de "expulsa mendigos". Tais engenhosidades humanas consistem: colocar pedras pontiagudas debaixo de viadutos, ou construir paredes debaixo dos viadutos; gradis, algumas com pontas metálicas, nas portas de loja etc. Digitando "dispositivos antimendigo", em qualquer mecanismo de busca, como Google, Bing etc., não será difícil encontrar as "maravilhosas" invenções da Arquitetura da Discriminação.

A Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, como já dissertei sobre o fato, fora discriminada. Os moradores locais afirmaram que o prefeito Eduardo Paes, na época, prometera conversar e não retirar os moradores. Após eleito, as promessas escoaram pelo esgoto. A luta dos moradores desencadeou protestos em várias redes sociais. No final, o prefeito cedeu às pressões de opinião pública — porém quando tal fato foi parar nas imprensas internacionais, já que tem a ver com Olimpíada de 2016.

A discriminação e o preconceito brasileiros aos afrodescendentes em território nacional

Discriminação e preconceito. Ainda é contumaz, infelizmente, neste início de século XXI. Tais engrenagens da máquina antropofágica, da Arquitetura da Discriminação, tem sua gênese desde o descobrimento do Brasil — e por que não falar antes do descobrimento? — cujos seres humanos negros eram, reconhecidamente, seres vivos abaixo dos animais não humanos. Em alguns casos, os negros valiam menos que um cavalo de raça. Após a Lei Área, a abolição da escravatura parecia ter chegado ao seu término. Sofisma. Apesar de os afrodescendentes brasileiros não estarem mais algemados, outras algemas continuaram a perpetuar: o racismo e o preconceito. Sendo o Estado controlado pelas elites [oligarquias e aristocracias], as políticas públicas nada fizeram, concretamente, para proporcionar ascensão socioeconômica aos afrodescendentes.

Sem moradia digna, sem emprego [CTPS], sem água e esgoto canalizados, as condições de vida eram deploráveis. Eram considerados "imundos" por natureza. Analfabetos, pelas políticas públicas, os afrodescendentes eram, e ainda são chancelados de "burros". O estereótipo negro [afrodescendente] está associado: favelado; analfabeto; criminoso; sem educação. Gerações foram induzidas a acreditarem na "inferioridade" negra, ainda mais com a educação eugênica, na Constituição de 1937. E a persuasão não foi tão somente aos brancos, mas aos próprios negros. "Negro metido!" não é frase usada unicamente pelos brancos, todavia pelos próprios negros. Ora, por que falar "Negro metido!", e não, simplesmente, "Metido!" pelos negros em relação à outro negro? A discriminação, então, criou preconceitos. De ambas as partes, tanto dos brancos aos negros, como destes àqueles.

A dicotomia entre às lágrimas, aos negros da África e do Brasil, está na visão distorcida do próprio brasileiro em relação à sua pátria. Construíram-se estereótipos aos afrodescendentes brasileiros [criminosos, analfabetos, por serem "burros", preguiçosos, não querem trabalhar, e outros]. A criança afrodescendente brasileira, que fica na rua, que passa fome, não é motivo de preocupação, pois os únicos culpados são os próprios genitores, por não saberem criar, ou não querem criar, as proles. O Estado, por sua vez, na visão dos brasileiros, não afrodescendentes, deve deixar estas crianças ao que o destino lhes proporcionou. Já às crianças do continente Africano, elas são vítimas de sistemas políticos [apartheid], de explorações de mão de obra pelas transnacionais. Jamais se pensa que apartheid também fora aplicada em solo brasileiro. A favelização é fruto de políticas apartheid, assim como as dificuldades, hercúleas, à educação de qualidade, às políticas públicas de saneamento. Enfim, aos direitos sociais. Antes que se falem em menores infratores, para justificar o desprezo, se uma criança do continente Africano furtar algum alimento, esta, possivelmente, será contemplada com a justificativa que tem fome. O mesmo não acontecerá quando for criança afrodescendente brasileira, porque ela, em si, possui o mal da etnia. A problemática circunstância da violência brasileira é estrutural, pois foi construída pela máquina antropofágica. Se criança negra, do continente Africano, empunhar arma em suas mãos, ela será vítima de um sistema perverso, descaracterizador da humanização. À criança afrodescendente brasileira, que empunha uma arma em suas mãos, por si, já é fruto "ruim" da etnia negra. Os brasileiros devem tecer considerações à luz dos fatos históricos no solo pátrio. Estereótipos quanto à etnia devem ser apagados dos dicionários comportamentais. Há negros violentos, assim como os brancos. Destarte, há brancos e negros não violentos.

É necessário para com os estereótipos!

Artigo disponível também em:

http://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/346822017/por-que-os-brasileiros-se-comovem-com-criancas-africanas-e-nao-com-os-afrodescendentes-brasileiros

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