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terça-feira, 2 de maio de 2017

Quem eu sou? E o qual o meu papel social?

Trânsito Escola — O artigo original se encontra no JusBrasil.

Pergunta simples, que pode ser respondida sem maiores dificuldades. Contudo, é necessário repensar quem realmente é você, caro leitor ou leitora. Constitucionalmente, todo brasileiro, nato ou naturalizado, e até o turista de passagem pelo Brasil, possui dignidade. A dignidade humana está insculpida na norma do art. , III, da CRFB de 1988. Dignidade humana é a valorização do ser humano independentemente de sua condição morfológica, econômica, patrimonial, financeira, emocional, psíquica. Também independente o tipo de etnia, de sexualidade, de gênero, de filosofia, de religião. Não importa se é morador de luxuoso prédio ou morador de rua. A roupa também não é distinção capaz de dizer que uma pessoa possui ou não dignidade, muito menos para dizer que possui mais ou menos dignidade.

 

A dignidade humana tem em sua essência os valores espirituais e morais. A dignidade se desenvolveu durante os períodos históricos da humanidade. Buda, Jesus Cristo, Baruch de Espinoza, Martinho Lutero, e tantos outros seres humanos, sejam homens ou mulheres, lutaram, desafiaram convenções estabelecidas por grupos de seres humanos que ditavam condutas, comportamentos, papel social, detentor de direitos. O sentido de comunitarismo permitiu que povos escravizassem outros povos, pois iguais não se escravizam. Já o libertarismo também permitiu que povos conquistassem outros povos. A ideia de propriedade privada consagrou o colonialismo. Os próprios libertários sabem disso, pois não consegue explicar o que seja propriedade privada, o direito ao solo. Quem tem direito ao solo? Quem já estava ou quem chega e cerca alguns hectares? Se, por exemplo, os índios não criaram cercas, então, por esta explicação, os colonizadores tiveram o direito de se apropriar do solo.

Superstições, dogmas e tabus. Entre os antigos judeus, os cancerosos eram considerados pecadores aos olhos de Deus. Não era condição puramente de afastar o leproso do convívio de outras pessoas sem lepra, para se evitar contágios. Os cristãos perseguiram os judeus por estes terem ‘estranha’ religião. As guerras religiosas continham ideologias que justificavam invasões e mortes. As guerras políticas, após a separação entre religião e Estado, continham justificativas conforme suas ideologias culturais. Como exemplo, a Guerra Fria entre EUA e URSS.

Se os refugiados têm proteção internacional, antes dos direitos humanos qualquer refugiado tinha que viver na clandestinidade ou morrer. Morrer, pois sua condição humana estava atrelada ao seu nascimento, o tipo de cultura. Por isso, dificilmente outra cultura aceitava refugiados. Uma das penas mais cruéis a um cidadão expulso de sua cultura era o banimento. Nenhum compatriota poderia dar qualquer tipo de alimento, abrigo, água. O condenado ficava proibido de colher qualquer tipo de alimento de sua (ex) cultura, (ex) pátria.

QUEM EU SOU DIANTE DE MINHA CULTURA?

Se as Constituições contemporâneas, cujos corpos possuem o espírito dos direitos humanos, não fazem e não permitem distinções entre os seres humanos, portanto todos têm dignidade, infelizmente, a realidade é bem diferente. Conservadores e ultraconservadores persistem em catalogar pessoas conforme o tipo de opção sexual, religiosa, indumentária. As publicidades, de certa forma, fortalecem o conservadorismo. É até explicável, já que, por exemplo, uma publicidade com algum negro dirigindo um carro luxuoso, na década de 1950, nos EUA, não seria aceitável pelos norte-americanos racistas. E publicidade custa muito dinheiro, tanto a agência de publicidade e, principalmente, o contratante não querem perder dinheiro — muito menos ambas não querem processos judiciais contra os "bons costumes". Muito diferente de uma publicidade que, por exemplo, anunciava venda de escravos no Brasil Imperial. A escravidão negra era considerada ideologicamente legítima. Não havia nada demais nas publicidades de venda e revenda de escravos. Todos lucravam: publicitários e donos dos escravos.

A VALORIZAÇÃO DO SER HUMANO

Os movimentos sociais ocorridos, por exemplo, nos EUA, a partir da década de 1950, permitiram que (os estranhos) negros, gays, mulheres e estrangeiros (chineses, por exemplo) pudessem ser respeitados; por serem, simplesmente, humanos. Esse respeito nada mais era a materialização dos direitos humanos, os quais qualquer ser humano é detentor. Os conservadores norte-americanos lutaram de todas as formas contra as mudanças comunistas — os comunistas não acreditam em Deus, consagram a libertinagem etc. Ou seja, ideologias conservadoras justificando a plena materialização dos direitos humanos.

As feministas foram chanceladas de todos os adjetivos, negativos, possíveis. São consideradas destruidoras dos valores familiares, por afrontarem os homens, por criarem um novo comportamento sexual (liberdade sexual). Os afrodescendentes são considerados, por natureza, desordeiros, preguiçosos, maconheiros (assim dizia Richard Nixon). Os gays eram pessoas — recomendo assistir Milk: A Voz da Igualdade — também desordeiras, destruidoras dos valores familiares etc.

No Brasil, a CRFB de 1988 permitiu afrodescendentes, mulheres, pessoas portadoras de necessidades especiais, e outros "estranhos" seres humanos, pudessem ter, materialmente, suas dignidades garantidas. Mesmo assim, ainda há o conservadorismo contra as "péssimas" mudanças na cultura brasileira. As oportunidades aos párias, como as ações afirmativas, desagradaram os conservadores. Tentaram, e lograram êxito, dizendo que, por exemplo, as cotas raciais nas Universidades inferiorizavam os afrodescendentes. Interessante observar que os mesmos conservadores jamais falaram que durante a escravidão os negros foram inferiorizados. Usam os conservadores de psicologia, já que até eles mesmos não gostam de ser inferiorizados — Alfred Adler explica. Enquanto há vozes de que o sistema educacional deve melhorar, em vez de "privilegiar" por cotas, tais vozes se esquecem de que, por décadas, o mantra fora pronunciado. E as condições dos párias jamais foram modificadas. Não à toa, as desigualdades sociais continuam no país da beleza, porque não é interessante ter párias conseguindo ascensão socioeconômica e respeito. Afinal, quem varrerá as vias públicas, trabalhará nos supermercados, na construção civil mexendo argamassa?

Propositadamente, aqui, faço menção aos grandes pensadores que romperam com os dogmas, tabus e superstições. Seres humanos que deixaram em si soar a voz da razão. O questionamento de tudo que existia, como valores sociais, religiosos e políticos. Aristóteles, Nicolau Copérnico, René Descartes, Giordano Bruno, Martin Lutero e Baruch de Espinoza são alguns seres humanos que transcenderam os limites do pensar livre. Somente pela liberdade de expressão, por exemplo, é que foi possível Lutero vencer os dogmas Católicos. Graças à invenção de Johannes Gutenberg, as 95 teses de Lutero não foram sufocadas pela Igreja Católica. Eis a importância da informação. Já no século XX homens e mulheres livre, em pensamentos e ações, lutaram pelos seus direitos humanos. Ele teve um sonho (Martin Luther King Jr.), mas sonho de muitos afrodescendentes norte-americanos: liberdade de pensar, agir, opinar, participar. No Brasil, por exemplo, Luís Gonzaga Pinto da Gama também teve um sonho, assim como demais afrodescendentes brasileiros. No século XX, homens e mulheres lutaram pela liberdade de expressão, de convicção religiosa, pelos direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos.

E quem sou eu? O leitor deve estar agora se perguntando, pela natureza líquida das mudanças culturais. Sou:

  • Um prenome e sobrenome civil?
  • Uma foto modificada por edições em softwares?
  • Um eterno sorridente nas redes sociais?
  • Um consumista desesperado para ter conforto material? E o que é conforto material para o eterno e insatisfeito ser humano?
  • Tão somente um órgão epitelial que, pelos ditames publicitários e de especialistas em beleza corporal, sempre serei submetido às cirurgias plásticas, aos produtos milagrosos para ser ter um corpo bonito? E o que é ter um corpo bonito, se o modismo, em certas épocas, dita o corpo ‘perfeito’?
  • Um ser vivo dotado de razão, mas que se deixa levar tão somente pelas convenções e estereótipos?
  • Um orador ou palestrante que apenas repete frases e textos de pensadores da antiguidade? Ou penetra no espírito da filosofia para poder transmitir os reais pensamentos dos grandes personagens da humanidade?
  • Um diploma decorado?
  • Um corpo vestido com indumentárias de grifes?
  • Um ser humano que desempenha importante papel social? Títulos, diplomas, condecorações fazem de um cidadão um ótimo patriota, altruísta?
  • Um documento público o qual me dá plenos poderes, como agente público, para ditar ordem e progresso? E o que é ordem e progresso? Quem merece ser reconhecido como cidadão exemplar?
  • Uma identidade civil de acordo com as genitálias?
  • Um empresário de sucesso que soube aproveitar as oportunidades do mercado? Ou um fracassado que não teve capacidade intelectual e emocional para ser empresário de sucesso (conta corrente generosa, patrimônios de luxo)? Mas o meu sucesso depende unicamente de meus esforços ou depende do tipo de cultura na qual estou inserido e suas legislações? Sou livre para fazer o que bem penso com a flora e a fauna?
  • Um bom cidadão por respeitar as leis do país o qual me encontro? E essas leis são universalistas e humanizadas?

Os grandes pensadores foram além dos conceitos humanos, pois sabiam que somente pelas insistentes perguntas — Por quê? Como? Onde? —, pelo uso da razão, o livre pensamento, o ser humano pode questionar e buscar — uma busca eterna — o que é verdade. Não uma verdade em si, todavia a verdade conforme o entendimento, o amadurecimento da razão humana. Ou seja, a verdade é cada degrau do questionamento humano. Sócrates sabia disso, pois ele mesmo dizia que nada sabia quanto mais questionava, estudava.

CRFB DE 1988, UMA CARTA POLÍTICA HUMANISTA

Pela CRFB de 1988 é possível conceber tudo o que foi escrito aqui. Na norma contida no art. 3º, os objetivos não são alcançados pelo simples subir do primeiro degrau, entretanto um esforço, contínuo, para se alcançar tais objetivos constitucionais. A própria CRFB de 1988 é um degrau superior às demais constituições. Direitos político, civis, sociais, econômicos e culturais estão insculpidos no corpo constitucional. Não há mais valorização do ser humano pela condição financeira, prenome e sobrenome, sexualidade, etnia, crença, portadora de necessidades especiais ou não, moradora de rua ou de luxuoso prédio, agente público ou não.

Cada brasileiro, nato ou naturalizado, assim como os estrangeiros de passagem pelo Brasil, todos são detentores de dignidade humana. Não é mais o tipo de indumentária, residência, diploma, ou não ter diploma, sexualidade, etnia E crença que dizem quem é dotado de razão e direitos. Não importa se é animal humano ou não humano, todos possuem direitos à vida digna. Não cabe mais o pensamento de que o ser humano é hierarquicamente superior aos animais não humanos, o que desencadeou extermínio de muitos destes animais ao bel-prazer do animal ‘racional’.

O papel social não é mais o simples título de nobreza, prenome e sobrenome, tipo de emprego. Para a CRFB de 1988, o papel social desempenhado por qualquer brasileiro deve ser pela razão, e todos os brasileiros são dotados de razão. Não a pura razão intelectual, o externar de opiniões, o fazer algo grandioso. Mesmo os seres humanos os quais possuem dificuldades de expressarem suas razões, como o físico Stephen William Hawking, ainda assim possuem capacidades. Se pensarmos que é a alma o centro de tudo o que o ser humano possa fazer, o corpo material é apenas uma extensão entre o mundo metafísico ao mundo material. Logo, não há o absolutamente incapaz, metafisicamente, pois a alma jamais se encontra em estado inerte. A tecnologia permitiu que Stephen William Hawking externasse sua razão. O corpo físico apenas limitou, mas a alma, no qual muitos filósofos metafísicos chamavam de razão, jamais deixou de pulsar, querer evoluir. A razão é a busca do conhecimento.

Em tempos líquidos, é necessário repensarmos sobre valores morais e éticos nas relações interpessoais e, principalmente, na política e no mercado. O ser humano tem preço (venda e compra de órgãos)? A força de trabalho tem preço (pagamento pelo que faz e quanto custa o trabalho)? O empreendimento está acima da vida (flora, fauna)? A solidariedade deve ser recompensada (ninguém é obrigado a ajudar ninguém, pela autonomia da vontade)? A ‘honestidade’ em falar que roubou os cofres públicos, nas delações premiadas, deve ser considerada real honestidade ou uma forma de diminuir condenações (interesse puramente egoísta)? Os atos negativamente exemplares (danos corriqueiros de fornecedores aos consumidores) devem ser mitigados na Justiça para que haja crescimento e desenvolvimento econômico de uma país como fazem as concessionárias de serviços públicos? E o Estado deve perdoar as dívidas das concessionárias?

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